sábado, 14 de agosto de 2010

Café e leite

A vizinha de olhos brilhantes costuma sempre, por ocasião de seus frequentes encontros mal sucedidos, bater à sua porta nas noites de folga sob pretexto de pedir um pouco de leite para o molho do peixe. Os desencontros que ensejam esses momentos de prática da boa convivência, nos quais o bom moço prepara o jantar enquanto ela se faz à vontade no sofá dele, ocorrem semana após semana com uma periodicidade que pouco os alarma.

Nos seus monólogos do sofá nada ela fala de si que não seja ambíguo e confuso e lhe faz perguntas para as quais ela mesma formula as respostas com ares sagazes de quem se acha detetive. Longe desses simulacros de familiaridade ela poderia dar por falta dos momentos de análise caseira, se os interpretasse como tais, mas tem pouca disposição e intimidade consigo mesma e com os outros para perceber o quanto são importantes.

A moça do apartamento em frente é, além de enigmática, vivaz e despojada e seria notavelmente linda se não fosse vista apenas em roupas casuais. Ainda assim quando de saída para o segundo turno da noite o vigia capta o aroma de um perfume feminino seria possível para ele imaginar que fosse ela, deslumbrante e cheirosa, se tivesse criatividade para tanto.

Mas ele nunca ousaria imaginar os prematuros fracassos da noite que a trazem às pressas mais cedo para casa à moda da heroína de conto de fadas.

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