sábado, 14 de agosto de 2010

Contas pagas; copos e pratos limpos

Azul, como o escritor preferia chamar, voltou diferente. Trouxe uma grande caixa preta e uma cadeira pelo chão de madeira do palanquete até o microfone. Pareceram movimentos automáticos, sem sentimento. Ele tinha algo guardado. Sentou com a caixa sobre os joelhos e abriu. Ligou cabos, amplificador portátil e pedaleira.
Então ele tirou da caixa uma guitarra arranhada de um amarelo-claro e a segurou pelo braço levemente empenado. Captadores reluzentes e cordas velhas. Com certeza investiu muito na restauração, mas ficou sem recursos para as cordas. Elas estão lá agora e ele as olha como quem pede ajuda a seis velhas amigas, ajuda para saber o que vai ser dali para frente e para entender o que sentir e saber o que fazer. Fôlego, precisa de fôlego. Reclina contra o espaldar baixo e cruza as pernas quando a primeira decide começar. Elas começam a falar, a lembrar sua vida; elas começam a cantar.

Para a menina com os salto-altos sobre o balcão, o encapotado classudo faz um sinal com o copo de uísque e esboça um sorriso rasgado à navalha naquela massa de sofrimento contido e sarcasmo que ele chama de rosto. Então ela o vê atingir a primeira corda. O encapotado se vira e por um momento ele aproxima os ombros das orelhas e põe as mãos acima da cabeça, então acende um cigarro deixa uma nota embaixo do copo e sai. Ele não se dá com o amor. Não ocupam o mesmo recinto; seu ceticismo e amargura, com a leveza e a vibração.

A Cinderela frustrada que trouxe para casa os dois sapatos descobre nas distorções claramente que aquele príncipe angelical tem auréola quebrada, que sua roupa azul é desbotada, seus olhos são escuros, seus ombro estão cansados; descobre que ele é imperfeito, que precisa de cafeína e álcool, mas ainda guarda graça o bastante para dar sentido aos altos e baixos da vida numa linguagem elétrica que passa pelo ar e lhe percorre a coluna. Ali está ele caído na cadeira e ela tem seu primeiro momento de ciúme. Ciúme do corpo da guitarra canhota que ele abraça, das cordas que ele toca e de todos os ouvidos que podem ouvi-lo e de todos os olhos que podem vê-lo.

2 comentários:

  1. ...
    não tenho palavras pra isso. aliás, tenho: Jack daniels sem gelo. Duplo.
    Sempre bom passar por aqui, taverneiro. Sempre bom.

    ResponderExcluir
  2. uia...
    ótima taverna, aconchegantes quartos, ambiente agradável e agora com música ao vivo e de qualidade...
    isso aqui tá cada vez melhor...
    me dá um copo de amor de morena que hoje a noite vai ser boa...

    ResponderExcluir