sábado, 10 de julho de 2010

Uma noite dessas

Certa vez, três homens sentaram lado a lado nesse balcão e me fizeram três perguntas:

O homenzinho desesperadamente debochado pediu Black Label à moda cowboy e inclinou um lado do corpo sobre a madeira como se tivesse um berro de um palmo de cano metido no cós da frente. Passou a mão no cabelo muito curto e no rosto um pouco áspero e estendeu para pegar a garrafa. Soltando um suspiro, algo mais como um sopro, me olhou nos olhos e disse que a deixasse onde estava com um aceno de cabeça de quem pede um pouco de compreensão pelo dia difícil.

Então chegou o encapotado classudo com ar ainda mais debochado pediu um maço de cigarro importado e gin com tônica. Eles se olharam e se reconheceram sem nunca terem se visto antes. Um sorriso com um cigarro entre os lábios teve como resposta um copo levantado. Um brinde às pequenas conquistas, muitas desgraças e modestas reparações mesquinhas da vida de cada um que nunca iriam compartilhar em palavras. Enfim, se tornaram amigos naquele instante.

Por último, um homem grisalho, velho em todas as acepções da palavra, se sentou ruidosamente no banco ao lado o segundo, olhou para eles por baixo das longas e grossas sobrancelhas como um mestre marcial, um sábio, um mago ou algo que o valha. Apontou a garrafa de José Cuervo Blanco e perguntou se voltando pra mim enquanto eu o servia:

“Você já se sentiu tão apático que não teria apetite a menos que caçasse e matasse você mesmo sua comida? Digo, não quando não é qualquer coisa que serve, rapaz, quando você precisa consumir um pouco de vida de verdade pra sentir que ainda tem alguma dentro de você. Em dias assim tudo o que eu faço é beber."
Em seguida, vi a peça de mogno atrás da qual eu estava se tornar uma mesa de carteado em que os homens jogavam com suas amarguras como se fossem reis e damas. Eu aparentemente era a mesa.

O mais jovem fez uma concessão à experiência do homem e bateu em alguma coisa que trazia na cintura acima do bolso da calça jeans: "Você já se sentiu tão miserável e egoísta que pensasse que qualquer pessoa importante na sua vida só lamentaria sua morte pela perda dos benefícios que você trazia? Digo, amigo, tem coisas que você faz, e elas falam pra pessoas mais sobre você do que quem você é. Quero dizer, quem diabos vale alguma coisa por si só?" O encapotado alargou o sorriso e tragou o cigarro e falou como quem blefa desde sempre: "Você já se sentiu tão..."

As apostas eram altas, cada um devia ter uma fortuna, má fortuna, em fichas dessa natureza. As partidas se seguiram noite adentro. E quando era hora de ir eles se despediram discretamente, mas com intimidade velada maior do que aqueles bêbados comuns que saem por aí abraçados se dizendo amigos e irmãos de todo mundo. O ronco de um motor como há anos não se fabrica se fez ouvir do lado de fora. O encapotado fez sinal para uma condução e quando nenhuma parou nesse fim do(s) mundo(s) ele levantou as abas do capote e saiu encolhido. O velho pagou pela garrafa e a levou consigo. Desamarrou o cachorro que havia deixado de fora naquela noite quente e foi andando. E eu? Eu tenho a impressão de que vou vê-los de novo.

3 comentários:

  1. é, taverneiro. essa coisa de, sabe. é.(...)
    me manda mais um JD sem gelo aí, por favor. e me arranja um quarto. num tenho pra onde voltar hoje.

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  2. *acena com a cabeça para o amigo sentado tomando um Jack D do lado...*

    uma Absolut dupla por favor...
    hoje o dia foi longo, e espero que a noite seja relaxante como um cruzado de direita...
    =p





    *o homem do segundo paragrafo me lembrou o gael, o do terceiro o rael, o do primeiro eu num sei, mas tirando a parada do berro na cintura, eu acho que me identifico...
    =B*

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  3. Parece, rapazes, que todos nós nos reconhecemos sem nunca termos nos visto...

    Deve haver algo mais além do que o olho pode ver nesse mundo.

    "Há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia". Isso possivelmente deve vir a ser assunto de conversas futuras... por enquanto enchamos os copos e deixemos a imaginação à solta e o coração livre nos mares etílicos.

    Saúde!

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